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GEOARQUEOLOGIA E PALEOHIDROLOGIA DA PLANÍCIE ALUVIAL HOLOCÊNICA DO RIO MADEIRA ENTRE PORTO VELHO E ABUNÃ/RO
Michelle Mayumi Tizuka
Programa de Pós-graduação em Geociências e Meio Ambiente, Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho”, Campus Rio Claro (UNESP).
Localizado na porção noroeste de Rondônia, sudoeste do cráton Amazônico, o rio Madeira é o quarto maior rio do mundo em vazão (Latrubesse et al. 2005) e membro do grupo hidro-geomorfológico dos nove mega-rios “anabranching” do mundo (Latrubesse 2008), com um curso de mais de 3.000 km. O rio Madeira contribui com cerca de 15% do volume de água e 50% da carga sedimentar transportada (PCE 2011) para o rio Amazonas, sendo seu principal afluente. Os depósitos associados são essencialmente compostos de sedimentos aluviais recentes e terraços quaternários entre Porto Velho e Abunã, região esta conhecida como alto rio Madeira (Figura 1), a menos de 100m sobre o nível do mar. Neste trecho, o rio encontra-se num vale encaixado, marcado por níveis de base locais formando numerosas corredeiras e cachoeiras em conseqüência do afloramento de rochas cristalinas (“pedrais”). Das dezenas de corredeiras (Goulding et al. 2003), três possuem queda mais acentuada e altos valores de velocidade da água: Jirau, Teotônio e Santo Antonio. Este “rio de águas brancas” (Morais 2008) de várzea tropical e aspecto barrento sempre atraiu populações humanas que para suas margens migraram. A região do alto rio Madeira é crucial para o entendimento do padrão de assentamento das populações pretéritas na Amazônia devido à presença de um registro arqueológico de quase todo o Holoceno que tange importantes questões paleoambientais e arqueológicas. Há indícios de ocupações antigas, que datam do início do Holoceno e incluem o que parecem ser os sítios mais antigos de terras pretas em toda a Amazônia, que apontam para uma longa seqüência ininterrupta de ocupação (Miller 1992, Kipnis 2011). Diversas especulações têm sido realizadas acerca das condições ambientais na Amazônia durante o Holoceno e a possível contemporaneidade entre paleofauna e ocupação humana, que poderia ser sugerida pela cronologia da presença humana na região e persistência de uma megafauna até o início do Holoceno (Miller 1992, Scientia 2008) ainda não verificada para a região. Na Amazônia a geoarqueologia necessita mais do que em outras regiões da inclusão de dados proxies da geomorfologia, estratigrafia fluvial e paleohidrologia. As planícies de inundação são paisagens dinâmicas que exibem uma variedade de ambientes sedimentares locais e processos (Brown 1997) que mudam ao longo do tempo conforme evoluem. Os estudos de Lathrap (1968) e Brown (1997), por exemplo, indicam que as evidências geológicas e arqueológicas tendem a fortalecer umas às outras, e que uma estimativa básica de ordem geral de magnitude dos eventos geomorfológicos são essenciais para se checar a plausibilidade da cronologia cultural (Lathrap 1968). Além disso, o estudo da estratigrafia do sítio arqueológico pode indicar condições pretéritas da paisagem regional e climática. O entendimento da evolução das planícies aluviais (onde se incluem as ilhas e regiões de entorno de cachoeiras) com os sítios arqueológicos torna-se essencial para se entender padrões de assentamento locais. A proposta de inserir os sítios arqueológicos como marcadores de níveis d’água nesta pesquisa torna-se assim um desafio.
Miller (1992) sugere que, para o alto rio Madeira, os eventos de sedentarismo nestes sítios estivessem relacionados à presença de concentrações de recursos aquáticos. Essa hipótese vem sendo testada para a presença de sítios em áreas de cachoeiras. Existem ainda hipóteses de ocupações extensas e contínuas para os sítios (Heckenberger et al.1999) ou ainda ocupações mais intensas e curtas, porém sucessivas e duradoras (Neves 2006). O objetivo desta pesquisa é interpretar as condições hidro-geomorfológicas e ambientais do rio Madeira durante o Holoceno entre Porto Velho e Abunã a partir da integração de dados da arqueologia, com a tentativa de se correlacionar com outras áreas de Amazônia, contextualizando os resultados dentro de um marco paleohidrológico, paleogeográfico e paleoambiental regional.
Para alcançar os objetivos propostos foram realizados trabalhos de gabinete (levantamento e análise de informações anteriores e documentação técnica, fotointerpretação e análise de imagens de satélites), trabalhos de campo (participação de resgates de sítios arqueológicos e paleontológicos com o apoio da empresa Scientia Consultoria Científica, e o mapeamento geomorfológico), além dos trabalhos laboratoriais em andamento (análises sedimentológicas, químicas e físicas e descrições de lâminas petrográficas). Análises palinológicas e datações por 14C e LOE estão também em andamento. Através da integração e comparação dos dados com as variáveis atuais de transporte de sedimentos e hidrologia do sistema, percebemos que existem anomalias ao longo do perfil longitudinal do rio Madeira decorrentes principalmente dos afloramentos rochosos existentes ao longo da calha do rio. Estes afloramentos, quando associados a ilhas, apresentam na sua maioria os ditos “pedrais” que suportam inúmeros petroglifos (gravuras rupestres) e/ou feições de polimento (Tizuka 2010, Scientia 2011). Como resultado final, uma vez identificadas as unidades geomorfológicas, a arquitetura sedimentar e a cronologia das mesmas, será processado um modelamento paleohidrológico para o Holoceno.
AGRADECIMENTOS
Esta pesquisa tem sido possível através dos recursos e dados disponibilizados pela Scientia Consultoria Científica e Santo Antonio Energia. Agradeço ao apoio do IPHAN, CPRM-REPO e Labogef/UFG, INPA; à CAPES pela concessão de bolsa de pesquisa e por recursos concedidos para o trabalho de campo e análises laboratoriais pela National Geographic Society. A pesquisa de Mestrado possui orientação do Prof. Dr. Jose Candido Stevaux e do Prof. Dr. Edgardo Latrubesse.
Figura 1 – Localização das cachoeiras no alto rio Madeira. Fonte: Dados Topodata, INPE. Elaboração: Michelle M. Tizuka.
REFERÊNCIAS
Brown, A.G. 1997. Alluvial geoarchaeology: floodplain archaeology and environmental change. New York: Cambridge University Press.
Goulding, M., R. Barthem. & E. Ferreira. 2003. The Smithsonian Atlas of the Amazon. Washington D.C.: Smithsonian Institution Press. 253 pp.
Heckenberger, M., J. Petersen & E. Neves. 1999. Village permanence in Amazonia: two archaeological examples from Brazil. Latin American Antiquity 10 (4): 353-376.
Kipnis, R. 2011. Amazonian anthropogenic soils‘ antiquity at upper rio Madeira, northwestern Amazon, and its implications for the colonization of South American Neotropics. Abstracts of the SAA 76th Annual Meeting, Sacramento, California.
Lathrap, D. 1968. Aboriginal occupation and changes in river channel on the central Ucayali, Peru. American Antiquity 33 (1): 62-79.
Latrubesse, E. 2008. Patterns of anabranching channels: The ultimate end-member adjustment of mega rivers. Geomorphology 101: 130–145.
Latrubesse, E, J. C., Stevaux e R. Sinha. 2005. Tropical rivers. Geomorphology 70: 187–206.
Miller, E. 1992. Arqueologia nos empreendimentos hidrelétricos da Eletronorte: resultados preliminares. Brasília: Eletronorte.
Morais, R. 2008. Águas brancas, pretas e verdes, in Leituras Indispensáveis. Organizado por A. Ab’Saber, pp. 57-63. São Paulo: Ateliê Editorial.
Neves, E. G. 2006. Arqueologia da Amazônia. Rio de Janeiro: Zahar.
PCE Engenharia. 2011. Levantamento topobatimétrico do rio Madeira para acompanhamento da evolução do leito (2ª etapa do programa de levantamentos e monitoramento hidrossedimentológico do rio Madeira e do futuro reservatório da UHE Santo Antonio). Porto Velho, Inédito.122p.
Scientia Consultoria Científica. 2008. Projeto Arqueologia Preventiva nas áreas de Intervenção do AHE Santo Antonio, RO. São Paulo, Inédito.
Scientia Consultoria Científica. 2011. Arqueologia preventiva nas áreas de intervenção do AHE Santo Antonio, RO: relatório do registro rupestre e feições de polimento. São Paulo, Inédito.
Tizuka, M. M. 2010. Ilhas fluviais do alto rio Madeira: exemplo de aplicação da geoarqueologia. Trabalho apresentado no II Encontro Internacional de Arqueologia Amazônica, Manaus.
Amazônica 4 (1): 252-257, 2012