Conflitos envolvendo colonizadores e indígenas em áreas territoriais da bacia hidrográfica do Taquari-Antas, Rio Grande do Sul
DOI :
https://doi.org/10.5801/ncn.v13i3.5370Mots-clés :
indígenas, colonizadores, Frente de Extensão, Taquari-AntasRésumé
O objetivo do artigo consiste em analisar os conflitos entre indígenas e colonizadores envolvendo o estabelecimento de sesmarias e fazendas em territórios da bacia hidrográfica do rio Taquari- Antas, na primeira metade do século XIX. Trata-se de um estudo qualitativo recorrendo à abordagem etno-histórica para a revisão bibliográfica e análise das fontes documentais encontradas no Arquivo Histórico e Público do Rio Grande do Sul. Inicialmente, apresenta-se o avanço da Frente de Expansão do Estado Nacional brasileiro em direção aos territórios da bacia hidrográfica do Taquari-Antas, por meio do estabelecimento de sesmarias e fazendas erguidas em tradicionais territórios dos indígenas Kaingang. Na sequência, analisam-se os conflitos ocorridos entre os Kaingang e os membros da frente de expansão ao longo das décadas de 1830 e 1840. Constatou-se que os conflitos ocorridos se deram em decorrência de lógicas culturais distintas entre os grupos envolvidos, pois, enquanto, para os Kaingang, os territórios e seus recursos eram concebidos como algo coletivo, para os colonizadores eram tomados como algo privado.Références
Não foi em vão que parte das tropas daquela vila se deslocou à última para combater os castelhanos ainda em curso de viagem. Isto, além de mostrar a importância estratégica da região para a proteção militar de Rio Pardo, alertou o governo português à necessidade de povoar mais densamente àquela região [...] (CHRISTILINO, 2004, p.26).
A grande “arrancada” no povoamento de Viamão se deu entre finais da década de 1740 e princípios da década de 1750, quando o número de fogos mais do que duplicou, em um período ainda anterior às migrações açorianas, que modificaram completamente o padrão demográfico da freguesia (KUHN, 2004, p. 48-49).
O charque havia se tornado dominante nas exportações sulinas já na década de 1790, fornecendo um impulso ainda maior a esse processo. A pecuária que se expandia e a exportação de charque que lhe dava vazão, ao longo de todo o século XIX, foram atividades mercantis voltadas, primordialmente, para o mercado interno brasileiro. [...] De lá, adquiria escravos e produtos importados. Em uma ligação que ganhou maior expressão no início do século XIX e manteve-se firme nos três primeiros quartéis daquele século, o charque rio-grandense desempenhou papel relevante na reprodução das relações escravistas das áreas de plantation articuladas com as praças mercantis para as quais a carne salgada era comercializada (FARINATI, 2007, p. 68, grifo do autor).
Através da política de redistribuição de terras iniciada a partir de 1780, quando começou o processo de expropriação dos antigos proprietários, como os colonos açorianos ou mesmo detentores de sesmarias da primeira fase de expansão da fronteira, em função da nova elite enriquecida (PESAVENTO, 1986, p.32).
As fundações destas duas povoações foram propiciadas pela política do Governador da Capitania do Rio de Janeiro, Gomes Freire de Andrade, em ocupar a Bacia do Rio Jacuí, concedendo sesmarias de terras ainda na década de 1750 ao Capitão Francisco Xavier de Azambuja, Pedro Lopes Soares e Antonio Brito Leme no Vale do Taquari (CHRISTILINO, 2004, p. 25).
Campos nas várzeas do Rio Taquary, que confrontam: Pelo Norte com a Serra; ao Sul com uns morros e mattos que dividião a Fazenda de Lourenço Bicudo; a Oeste com uma grande várzea de mattos que confrontam com o potreiro de Cosme da Silveira, e pela parte de Leste com o rio Taquary (CARTA de sesmaria do ano de 1762).
Terras a margem do rio Taquary, que confrontam: Pelo Sul com o arroio chamado “Castelhano”; pelo Norte com o arroio Sampaio; a Oeste com um sertão devoluto e pelo Leste faz frente ao dito rio Taquary (CARTA de sesmaria do ano de 1798).
A presença de paulistas, Lagunenses e Viamonenses, desde os primórdios do Tratado de Madrid (1750), já eram notados nas margens do Jacuí, entre eles os genros de Jerônimo de Ornellas, Cosme Silveira, paulista um dos primeiros povoadores de Viamão e o Capitão Pedro Lopes Soares, genro de Dyonisio Rodrigues Mendes, lagunistas, todos ligados aos troncos seculares do Rio Grande. Os citados ganharam sesmarias na região conhecida como fronteira de Rio Pardo (TIBURI, 2011, p. 51).
Campos nos galhos ocidentais do rio Taquary, e que se dividem: a Leste por um arroio, com o Potreiro das Mulas, que houve em dote, e por outro arroio com os campos do faxinal do Alferes Francisco Machado Fagundes; ao Norte, por outro arroio, galhos dos antecedentes, dividindo o faxinal dos Alferes Manoel Roiz; ao Sul, por uma vertente, com mattos que saem da Serra, e a Oeste com os mattos da falda da Serra (CARTA de sesmaria do ano de 1800).
Dom João por Graça de Deos Princípe Regente de Portugal e dos Algarves e de além Mais em Africa de Guiné e da Conquista Navegação e Comércio da Ethiopia, Arabia Persia e da Índia Faz-se saber os que esta Minha Carta de Confirmação de Sesmaria por parte de João Ignácio Teixeira [...] confrontando pella frente com o Rio Taquari (DOAÇÃO de sesmaria em 1800).
Fazemos saber que Francisco Antônio de Souza morador nesta Capitania do Rio Grande de São Pedro do Rio Grande do Sul, propor a S.A.R. hum requerimento omologado pedindo ao Senhor houvesse G.Cem dar-lhe huma Datas de sesmar Mattos sita na margem Ocidental do rio Taquary. Com trez mil e cinquenta braças de frente com o mesmo Rio, defundo para o Sertão. Confrontando pelo Sul as José da Silva Lima e seus irmão, e pelo Norte com as do falecido João Bernardes [...] (DOAÇÃO de sesmaria 1809).
Diz Francisco Antônio de Souza casado e morador da Freguesia S. José de Taquary da Capitania de S. Pedro do Rio Grande do Sul, que esta de posse corporal de huma Data de mattos sita na margem Ocidental do rio Taquary com tres mil e duzentas e cinquenta de frente ao mesmo Rio e légua e meia para o sertão, confrontando pelo sul as Terra de José da Silva e Lima e seus irmãos [...] (DOAÇÃO de sesmaria 1813).
Terras sitas na freguesia de Taquary, à margem do rio do mesmo nome, onde faz frente. Confrontam ao Sul com o arroio Forqueta; a Leste com o dito rio Taquary; ao Norte e Oeste com o sertão da Serra Geral (CARTA de sesmaria do ano de 1816).
Dizem o Coronel Vitorino José Ribeiro e sua mulher Dona Ana Emilia de Sampaio Ribeiro, que sendo eles legítimos senhores e possuidores de uma Fazenda de cultura e mattos, denominada Estrella na qual residem, cita a margem esquerda do Rio Taquary, neste município, contendo trez mil e nove centos braços de frente ao referido rio, e légoa e meia de fundos para essa, com as divisas e confrontações indicados no respectivo Titulo de compra e confirmação que junto oferecem, cuja Fazenda a compra fizeram no ano de 1830 a José Inácio Teixeira Junior e sua mulher […] (AUTO DE MEDIÇÃO de 1860, nº 12).
Illmo. e Exmo. Snr. Partecipo a V. Exª. que no dia 16 do que rege assisti a huma operação no corpo de hum pardo de nome Joze Antonio cuja operação consistia em tirar-se duas flexas que disem os conductores do dito pardo serem os bugre que lhe atirarão huma das flexas estava metida no peito direito, e outra no braço esquerdo; e logo que se acabou a operação elle faleceu; cujos bugres disem haverem sahido nos fundos da fazenda da estrela[...] (CORRESPONDÊNCIA de 19 de Dezembro de 1836).
[...] e querendo mandar seguir a estes infiéis receby ao mesmo tempo hum officio do Sr. Juis Municipal para fazer seguir huma expedição de Cem. G. N. para se reunirem ao Tenente Coronel Antonio Manuel de Azambuja 09 me parece bastante difícil sahir este numero de gente pella divergência de opinioens que ainda reina, e pella falta de disciplina nas Companhias que se escondem aos avisos e mesmo respeito a ameaças que tenho sofrido aqui com tiros de oras em roda da povoação a que não posso descubrir quem seja tendo sido em vão todas as delingencias a esse respeito, e como os comprometidos deste lugar ainda se achão escondidos ou pellos subúrbios desta Freguezia ou por districtos visinhos por avisos que tenho tido, e que ainda tentão pela festa que esta mui próxima fazer reunioens para insultarem ou atacarem aos cidadãos legais desta Freguesia. Por estes motivos rogo a V. Exª haja de liberar a respeito pois me acho bastantemente confundido com o presente estado das coisas. Incluso remeto a V. Exª hum pedido de muniçõens. Deus Guarde a V. Exª. (CORRESPONDÊNCIA de 19 de Dezembro de 1836).
Illmº Senr= Accuzo a recepção do officio de V. Sª datado de 29 de Janeiro em o qual me ordena reúna os cidadãos deste Destricto que estejão nas circunstancias de marcharem contra os bugres que o tem invadido isto para serem dirigidos sob a ordem do Illmo Senr Delegado da Villa do Triunfo (CORRESPONDÊNCIA de 15 de fevereiro de 1845).
Em resposta tenho significar-lhe que logo dei execução as ordens de V. Sª como se vê da cópia Nº 1, porem tendo apparecido os indígenas no dia 29 de Janeiro na Fazenda do cidadão Victorino José Ribeiro onde lhe assassinarão hum escravo que estava falquejando dezejava que alli fosse a entrada para serem perseguidos porem isto não se effectivou como se vê da cópia Nº 2 e eu nada pude fazer a bem da segurança daquella Fazenda e seus visinhos não só por que V. Sª se encarregou a perseguição dos selvagens ao Delegado do termo como porque houve falta de armamento e munição para semelhante delingencia. Não posso deixar de significar a V. Sª que não mi consta que este Districto fosse invadido pelos selvagens, antes do dia 29 de Janeiro dia em que V. Sª datou seo Officio, e que a requisição foi feita por prevenção para guardar-se lugares que o ano passado forão amiaçados e que por isso fiquei privado de fazer a perseguição onde elles apparecerão por estar esperando que seria attendida a requisição que fis ao mesmo Delegado. V. Sª deve estar ao facto que os selvagens todos os veroens costumão descer a serra e atacar as habitações dos pacíficos moradores, não só deste districto como do Cahy, Santo Amaro e como ultimamente aconteceo nas Fazendas de Francisco Silvestre Ribeiro, Maria Francisca do Rosário, Amaro Rodrigues, (CORRESPONDÊNCIA de 15 de fevereiro de 1845).
[...] e outros e por isso se torna muito necessário que o Governo da Província tome em consideração estes acontecimentos, e para proebilos bom será que se crie hua companhia somente destinada para este fim e que esteja reunida nos mezes de Dezembro, Janeiro, Fevereiro e Março, afim de andarem a acodir a qualquer ponto que for ameaçado afim de evitar o damno, e mesmo sendo elles batidos não se apresentarão tão ousados como ultimamente tem accontecido, isto devido ao nenhum cazo que se tem feito de seus estragos causados aos moradores. Emquanto porem esta medida, ou outra que o governo achar conveniente, senão adopta espera que V. Sª dê suas providencias para que me seja remettido algum armamento e mesmo ordem para reunir os cidadãos para prevenir o mal que todos os dias se espera, pois neste momento acabo de receber participação que elles apparecerão hontem na Fazenda de Miguel José de Cordero, e e pelos indícios que se conhece que andão em grande porção e que tem percorrido toda a Costa da Serra. Espero que V. Sª tome isto em consideração por que todos os moradores da Costa da Serra estão amendrotados, e alguns já tem abandonado suas habitaçoens. Deos Guarde a V. Sª. Taquari 15 de fevereiro de 1845. Illmº Senr. Dr. Manoel José de Freitas Travassos Juis de Direito e Chefe de Policia da Província. Francisco Mathias de Sousa e Ávila, Subdelegado de Policia (CORRESPONDÊNCIA de 15 de fevereiro de 1845).
Como características gerais desses assaltos se podem observar, em primeiro lugar, o saque às roças de milho que se encontravam prontos para colheita, por isso, a maior parte das investidas indígenas ocorreu nos primeiros meses do ano. Durante o inverno, os Coroados mantinham-se envolvidos na coleta e processamento dos pinhões, principal alimento deste grupo, realizados pelas mulheres (DORNELLES, 2011, p.31).
Nesse mesmo sentido podemos observar que as primeiras legitimações de terras no Vale do Taquari ocorreram nestas proximidades (fundos da Fazenda Estrela), visando assegurar as suas possessões frente à expansão da colonização, o que traria a segurança em torno da posse ou título reconhecidos (CHRISTILINO, 2004, p.179).
Translado da publica forma constante dos autos de medição de posse de Joaquim Alves Xavier, sua mulher e outros, sob numero dois mil e desesete, a folhas seis dos mesmos autos: D. Ana de Oliveira Sallasar Ribeiro viúva do Capitão Francisco Silvestre Ribeiro dá ao Registro Terras e mattos que seu finado marido obteve por concessão do Governo em desesseis de Março de mil oitocentos e quarenta e seis sitaas no fundo da Fazenda da mesma senhora denominada S. Caetano na margem direita do rio Taquary com frente ao sul fundos ao Norte ao arroio Jacaré desviando-se pelo Leste com as vertentes que desaguam no rio Taquary e pelo Oeste com o arroio da Forqueta. Villa de Taquary quinze de hulho de mil oitocentos e cinquenta e seis. Ana de Oliveira Sallasar Ribeiro (AUTO de Medição nº 2017 de 1887).