“O vento experimenta o que irá fazer com sua liberdade...”1 Deixei-me guiar por este sugestivo Hai-kai de Guimarães Rosa durante o processo composicional de “Matiz II” para violino, violoncelo e piano. Passei a conceber a música não apenas com os materiais definidos inicialmente, mas, sobretudo com liberdade para incorporar as estruturas que fui encontrando durante a composição. O ato de compor é um ato de descoberta. Perceber essas estruturas é a parte do jogo onde os materiais não são vistos como entidades fixas, mas como uma espécie de paleta de cores que o pintor transfigura na tela, misturando, sobrepondo e reconfigurando a todo o momento. Há no processo uma constante necessidade de interpretar os materiais, pois acredito que há neles uma força natural intrínseca, uma plasticidade imensurável, e um dos papeis do compositor é revelar exatamente isso. É a partir dessa imersão, num processo artesanal, que os matizes foram se materializando no curso temporal da obra. Sua narrativa buscou estabelecer uma dinâmica entre momentos de muita mobilidade e pouca mobilidade sonora, um jogo de construção e desconstrução de movimento. A obra faz parte de um ciclo de peças iniciado em 2010 que contempla solos, duos e trios. “Matiz II” foi composto em 2013 especialmente para o álbum 3+2/SP do Epifania Piano Trio e lançado pelo selo Água Forte.